O Lançamento Conturbado de Riftbound
Em 31 de outubro, Riftbound, o card game do MOBA League of Legends foi lançado no ocidente — com alguns atrasos em outras regiões: no Brasil, por exemplo, o jogo possui lançamento previsto para 21 de novembro, com preços de booster boxes e decks já explodindo por conta da especulação do mercado secundário e práticas de scalping.
A primeira expansão do jogo, Origins, possui um problema severo de baixa disponibilidade no mercado atual, somado ao anúncio de um torneio regional em 5 de dezembro, que ampliou o hype e tem feito, como uma soma de fatores, o preço de singles explodir e alcançar níveis esperados pela escassez de staples disponíveis para todos os jogadores.
De bônus, já foi reconhecido pela fabricante que alguns Booster Packs estão vindo com taxas de raras piores do que o anunciado, o que a empresa tenta “compensar” mencionando que existem, nas mesmas boxes, pacotes que virão com três raras — compensa para quem compra caixas lacradas, mas é um péssimo motivador para quem deseja comprar alguns pacotes na sua loja local.
Entre a baixa disponibilidade de produtos e os erros técnicos, fica evidente que a Riot e a UVS subestimaram seu produto.

Talvez pela experiência com Legends of Runeterra, ou pela expectativa de que o público absorveria inicialmente o mercado do jogo aos poucos. League of Legends é uma das maiores marcas de games de todos os tempos, e esperar que o seu card game oficial — o mesmo que traz, por exemplo, “skins” físicas dos personagens favoritos do seu fandom somado com a busca incessante do público de TCGs por novos jogos — não seria o sucesso estrondoso não passou de ingenuidade, ou projeto.
Escassez gera controvérsias. Controvérsias geram notícias, e notícias dão visibilidade. O mercado de Card Games hoje é bem diferente daquele de onde viemos: não apenas scalpers se tornaram mais frequentes como o modelo de negócio desses jogos está bem mais direcionado para o aspecto do valor colecionável; abrir um booster virou caixinha de loteria, e quanto mais forte for a sua marca e a potencial recompensa que se pode ter abrindo um pacote, mais interessante fica para o consumidor fazer a sua aposta.
Quando não há produto suficiente, gera-se “valor” naquilo que você oferece. O modelo de Secret Lair de Magic: The Gathering, por exemplo, deixou de seguir o print on demand para a maioria dos produtos em prol de um modelo que coloca fãs e investidores em filas de horas para tentar conseguir seus bundles antes dos outros, já que agora eles possuem tiragem limitada.
Geram-se frustrações, revoltas, posts descontentes nas mídias sociais, mas o modelo continua funcionando — de novo e de novo, cada Secret Lair mostra que existem pessoas dispostas a pagar e a arriscar passar duas ou mais horas na fila para não conseguir — e agora, com Origins em escassez de impressão, Riftbound agrega em valor para quem realmente consome card game como investimento ou aposta em detrimento de uma parcela maior do público que não terá tanta facilidade de acesso.

Este, entretanto, vai prejudicar o alcance do próprio jogo. Um dos atrativos de Riftbound é ele ser um produto para o fã de League of Legends, seja para jogar com seus amigos, ou para colecionar os cards do seu campeão favorito. Este consumidor tem uma perspectiva e padrão bem distintos do de card game: o jogador habitual de TCGs faz a conta do “ao invés” quando apresentado a um novo jogo — “por qual motivo eu jogaria este ao invés daquele que eu já conheço?” — enquanto o jogador de League of Legends que, de fato, consome no MOBA com cosméticos fará uma conta de “além de” para definir seu investimento em Riftbound.
Quanto custa uma Jinx? Se eu quiser uma versão especial do Teemo para ter na minha coleção de coisas do personagem, quanto vou investir nesse card? Quanto eu gastaria para ter um deck da Ahri? E se eu quiser colecionar variantes de Darius ou outro campeão? Essas perguntas serão feitas pelo público de League of Legends antes de eles sequer considerarem conhecer Riftbound, e se estes não se interessarem, que expansão do projeto podemos esperar no futuro do jogo?
Como Riftbound Pode Suceder
Por abordar uma das marcas mais famosas dos games, Riftbound tem um potencial de crescimento maior do que quase todos os outros card games, exceto por Pokémon, cujo impacto sociocultural é tão grande ao ponto de transformar atividades mundanas como dar uma caminhada ou dormir em coisas divertidas e engajadoras para o seu público — jogadores de League são, em uma parcela, apegados aos personagens em um nível similar a como um fã de Pokémon é a algumas criaturas de bolso, e esse sentimento é transmissível em querer colecionar cards e jogar algo que lhe oferece uma nova dimensão de interatividade e diversão com aqueles personagens.

Além disso, a Riot é responsável pelos maiores espetáculos de eSports do mundo. Se investir da maneira apropriada em apresentação, marketing e, por que não, espetáculo para os torneios de grande escala de Riftbound, a empresa consegue transformar o card game em outra frente da sua marca mais relevante, com mais um público para frequentar e assistir aos eventos.
Para chegar a esse ponto, no entanto, é necessário investir em trabalho de base, e este se faz com fatores cruciais:
Suporte Competitivo
Quanto mais recompensador parecer “masterizar” Riftbound, mais pessoas se interessarão em tentar competir nele, e suporte competitivo se materializa em recompensa para os jogadores que se dedicam, suporte regional e de lojas locais para sediar eventos e uma boa comunicação de como crescer no jogo e chegar ao Campeonato Mundial.
Um mapeamento eficaz de como crescer na “carreira profissional” no jogo motivará mais pessoas a tentarem conseguir seu momento de glória nos grandes eventos, o que valoriza tanto o mercado interno de cards quanto o mesmo é visto pelo público consumidor como uma potencial maneira de ascender e ter reconhecimento com base nos seus resultados e habilidades.
Além disso, se faz necessário ressaltar este lado do público também. Destacar os grandes jogadores, ter seu próprio “Hall da Fama”, entrevistá-los durante coberturas e, quem sabe, até estabelecer conquistas que podem ser “desbloqueadas” conforme você ascende no aspecto competitivo de Riftbound.
Ainda é cedo para pensar em passos muito largos, e primeiro o jogo precisa mostrar para o que veio e que é capaz de suprir de maneira responsável a demanda do público pelos seus cards, mas uma hora, em algum momento, o cenário competitivo vai precisar dos holofotes.
Acessibilidade de Produtos
A acessibilidade do produto precisa servir à ampla gama de consumidores. Isso se faz através do aumento de tiragem das suas coleções e com print runs consistentes que garantam que as lojas tenham boxes, boosters e outros produtos disponíveis durante mais tempo.
League of Legends é, por natureza, um free to play e um card game não pode se dar a esse luxo, mas pode, ao garantir produtos o suficiente no mercado para manter os preços acessíveis e próximos dos valores sugeridos, ampliar a quantidade de jogadores e fãs que se interessem em comprar os produtos e acompanharem as transmissões competitivas, ou até irem a arenas ou estádios para ver os profissionais jogando.
Marketing Efetivo
Um jogo não cresce sem atrair os públicos certos.
Pode-se até esquecer o jogador habitual de card games no marketing para Riftbound — esses já estão fisgados por Riftbound e, se não estiverem, a popularidade do jogo em outros segmentos os fará, no mínimo, experimentar — para focar no público externo entre os fãs de League of Legends e os que apenas “conhecem” o MOBA.
Pegue os profissionais e coloque-os para jogar uma partida de Riftbound em um programa, lance cartas com skins exclusivas que servem de prévia para uma atualização futura, faça cards promocionais com skins dos campeões mundiais de League of Legends, ou faça eventos promocionais que conectem, de alguma maneira, Riftbound a grandes eventos do jogo.
Quanto mais o card game parecer parte do ecossistema de League of Legends e servir como material para promover e ser promovido pelos demais jogos da Riot, mais assertiva será a aplicação do marketing para fazer públicos dentro e fora das esferas de TCGs e MOBAs se interessarem em conhecer mais sobre.
Padrão de Jogo Engajador
Hoje, o Metagame competitivo do TCG parece resolvido: Kai’sa é o melhor deck seguido por Master Yi, e o resto do formato basicamente tenta acompanhar, com nenhuma potencial build que pudesse lidar com o melhor arquétipo provando-se eficaz em resultados.

Apesar de já existirem discursos que tentam diminuir o jogo pelo seu atual estado “polarizado”, parece natural que ele viva essas circunstâncias com apenas uma expansão: não importa o quanto a equipe de design e testes procure equilibrar um jogo, o senso de mente coletiva de quando o produto é lançado faz com que algo se mostre melhor que o restante, ou até que existem algumas partes do jogo que estão quebradas e precisam ser resolvidas.
Kai’sa é um problema hoje e deve manter-se assim até, pelo menos, o lançamento da segunda expansão, e o ciclo de “melhor deck” só deve ter um pouco mais de diversidade sem ser também volátil demais por conta de um potencial power creep que novas mecânicas podem trazer em um jogo recém-lançado a partir da quarta expansão dele, quando a pool de cards já se mostra grande o suficiente para ter uma mescla saudável e mecânicas, ameaças e respostas.

Riftbound tem um ano para criar seu Metagame. Se ele for ruim nesse período, jogadores se desinteressarão, acusando-o de ser polarizado, quebrado ou tedioso de jogar, sem dar tempo para que este amadureça e possa, nos anos seguintes, ampliar o leque e criar um cenário competitivo estável.
Flesh and Blood não seria o que é hoje sem passar pelos tempos de Chane e Starvo, e mostra que não é fácil equilibrar um card game nos primeiros anos quando ainda tropeça sempre que cria um talento novo — um dos mais recentes, Mystic, quebrou o ambiente competitivo ao meio e criou um dos heróis mais fortes da história com Zen, Tamer of Purpose —, e precisamos lembrar disso sempre que experimentamos um jogo novo.
Magic e Pokémon levaram décadas para estabelecer seu equilíbrio, e ainda tropeçam ocasionalmente: a combinação de Vivi Ornitier com Agatha’s Soul Cauldron tem polarizado o principal formato competitivo de Magic e deve receber banimentos em 10 de novembro, assim como Pokémon lançou mais e mais cards nas últimas expansões para responder às engines de Dragapult EX e Munkidori.
Se atentar ao Suporte Regional
Suporte Regional também é essencial. Regiões como a América do Sul foram recentemente deixadas de lado em termos de localização para alguns jogos e até de disponibilidade de suporte para competir nos grandes eventos.
Olhar para o Brasil, um consumidor recorrente de card games e também de League of Legends, é reconhecer o potencial de crescimento da região e deste servir de “carro-chefe” para alavancar Riftbound na América do Sul.
O mesmo deve ser feito com países-chave de outros continentes e até com países-chave: abrir espaço para campeonatos nacionais, competições e classificatórios de alto nível com facilidade de acesso e, claro, garantir que eventos Regionais tenham espaço para comportar a demanda de cada região — a política de escassez não pode ser replicada no atendimento aos eventos.
Além disso, também se faz necessário avaliar caso a caso para certas regiões. A maior reclamação sobre Riftbound no Brasil neste momento é que as lojas receberam o produto com preços inflacionados em o dobro do valor sugerido para venda no site da Riot. Consequentemente, o consumidor final está pagando, em média, 2,5 vezes o preço sugerido por uma Booster Box — procurar parcerias que possam facilitar a acessibilidade do produto, ou ter um enforcement mais assertivo sobre a aplicação do valor sugerido para venda, são meios de garantir que todos tenham acesso e oportunidade de jogar Riftbound, independentemente das condições socioeconômicas da sua região.
O caminho será longo, mas os desafios podem ser superados
Não restam dúvidas de que Riftbound tem potencial: a marca League of Legends é forte, por se tratar de um jogo físico, ele não corre os mesmos riscos que Runeterra. Esse início conturbado, no entanto, deixa uma marca e cria novos obstáculos para a Riot e UVS — já não basta ser apenas um bom card game, será necessário mostrar que ele é melhor do que as opções disponíveis no mercado.
Uma mescla entre suporte competitivo, acessibilidade do produto e trabalho de marketing assertivo pode ser suficiente para superar um lançamento desastroso ocasionado pelo que pode ser considerada uma desconexão com as expectativas do público, e caso ocorra, este card game é um dos poucos com potencial cultural o suficiente para se equiparar — e até superar — dois dos três gigantes do universo dos Card Games no longo prazo.
Da minha parte, este é o primeiro TCG que me deixou genuinamente interessado desde Flesh and Blood. O jogo tem visibilidade, potencial criativo e um histórico e proposta capazes de conquistar públicos casuais e competitivos, e você pode esperar alguns conteúdos sobre o jogo aqui na Cards Realm!
Obrigado pela leitura!












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